Afinal, de onde surgiu a sífilis?

Théodore de Bry,  Colomb à la rencontre des indigènes, 1549. Gravura, Biblioteca Nacional da França.

Há muitas controvérsias quanto a origem da sífilis. Talvez nenhuma outra doença tenha sido envolta em tantas polêmicas quanto a sua ascendência. Tal razão pode se dever ao caráter pecaminoso e vergonhoso do qual essa enfermidade foi revestida. Após o ato sexual, a bactéria da sífilis (Treponema pallidum) adere-se à mucosa genital, onde se multiplica. A região quente e úmida do pênis ou da vagina ocasiona sua evolução. Manifesta-se uma ferida aberta, de cicatrização espontânea, peculiar da doença. O perigo da sífilis, reside no fato de que a bactéria ao atingir a corrente sanguínea, ser transportada pelo sangue e pela linfa para órgãos vitais, podendo comprometer o cérebro e o coração. A bactéria atinge também os ossos e, após a morte, possibilita a reconstituição de sua história a partir de recursos arqueológicos, antropológicos, biológicos e genéticos. 

A hipótese mais aceita é a da origem americana da sífilis, fixada ainda no século XV. Documentos históricos admitem que a doença teria sido levada da América para a Europa pelas tripulações das naus de Colombo. Ruy Díaz de Isla (1462–1542), o primeiro médico que tratou de sifilíticos na Espanha, narrou casos da doença em Barcelona, em 1493, após o desembarque daquele navegador. Também Gonzalo Fernández Oviedo (1478-1557), palaciano e amigo de Colombo, que viveu na América, aludiu ao fato de que os companheiros daquele navegador, "contaminados pelas aborígenes", teriam levado o mal para a Europa. 

A sífilis se disseminou pelas cidades portuárias espanholas. Fernando de Aragão e Isabel de Castela enviaram tropas espanholas para combater os franceses pelo controle de Nápoles, na península itálica. A doença então difundiu-se entre as tropas francesas de Carlos VIII,  que haviam sitiado e tomado a cidade italiana, em 1495, com um exército estimado entre 35 e 80 mil soldados. O exército vitorioso, ao retornar para Lyon, na França ajudou a disseminar a moléstia. As milícias de Carlos VIII eram formadas por mercenários franceses, flamengos, bascos, suíços, escoceses, húngaros, entre outras nacionalidades. Esses soldados, ao retornarem para casa, após terminada a guerra, espalharam a sífilis através das relações sexuais. A "praga sexual" se espalhou pelos quatro cantos da Europa, transformando-se em uma epidemia. 

Pesam em favor dessa teoria o coincidente regresso de Colombo e sua tripulação e o posterior surto epidêmico da sífilis. Contudo, alguns opositores dessa hipótese afirmaram que a doença já existia na Europa, mas que havia sido confundida com outras enfermidades, como a lepra. Porém, se assim o fosse, não se poderia esperar epidemias de sífilis na década de 1490. As teorias são muitas, como, por exemplo, a origem asiática da doença. O cônsul francês na China, dr. Pierre Dabby, em 1887, teria identificado sinais da sífilis num manuscrito chinês datado de 2.637 a.C. Outra teoria que ganhou bastante força para a origem asiática do mal, foi atribuída à região da Mongólia, de onde nos século V e XIV, respectivamente, Átila e Tamerlão, atravessaram a Sibéria e invadiram a Europa. A invasão desse último coincidir com os surtos epidêmicos da sífilis no Velho Continente, reforçou a hipótese. Havia ainda quem defendesse a origem africana da doença, principalmente na Inglaterra, onde se afirmava que a sífilis foi importada da costa da África, por coincidir sua recrudescência com as incursões lusitanas naquela região. 

Contudo, essas outras hipóteses carecem de sustentação do documental e vestígios arqueológicos. Não foram encontrados registros ósseos deixados pela sífilis em esqueletos na Europa antes do século XV. Atualmente, em decorrência das marcas características da bactéria da sífilis no esqueleto humano, é possível reconstituir a sua história. Estudos arqueológicos distinguiram as marcas da sífilis deixadas pela Treponema pallidum da Framboesia tropica (bouba), provocada pela Treponema pertenue. Os registros mais antigos da Framboesia, mostram que a doença já acometiam os primeiros hominídeos na África, como o Homo erectus

Provavelmente, os primeiros Homo sapiens trouxeram a doença para a América, onde as condições climáticas dos trópicos favoreceu a sua proliferação. A arqueologia dá conta de que a Framboesia já existia antes da chega dos espanhóis na América. Estudos recentes apontam para uma possível mutação dessa bactéria, a T. pertenue, em solo americano, que teria dado origem a sífilis. O indício veio de um estudo da década de 1990, feita pelo dr. Silverman, clínico da Universidade de Toronto. Ele encontrou vestígios da Framboesia em crianças de uma tribo indígena akiwo, isolada na Guiana. Comparando as bactérias a partir de um estudo genético, comprovou-se uma diferenciação entre a bactéria da Framboesia americana e as suas congêneres da África e Ásia. Qual a grande surpresa? Verificou-se a profunda semelhança entre a bactéria americana e a bactéria causadora da sífilis. 

Essa descoberta balançou a origem da sífilis para o continente americano. Uma vez na Europa, em contato com uma população que não conhecia a doença e, portanto, não possuía defesas biológicas, a doença assolou os habitantes do Velho Continente. 

Rafael Nóbrega Araújo
29-04-2020
Campina Grande-PB

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