O veneno que cura I

L'espaignol afflige du mal de naples. Gravura retirada do manuscrito de Fra Sebastiano Molini da Bologna

As doenças acompanham a humanidade desde o seu aparecimento no planeta. Vítima e testemunha das intempéries que lhe assaltam o corpo, o ser humano provavelmente se debruçou desde cedo sobre os seus enfermos com o desejo de curá-los.  

Durante muito tempo, devido a influência hipocrática, prevaleceu a imagem da doença como desequilíbrio do corpo. Acreditava-se que as enfermidades eram fruto de alguma desordem natural interna do próprio organismo.  A terapêutica empregada consistia então, basicamente, em restituir o equilíbrio outrora perdido. Plantas, chás, dietas, exercícios, purgativos, vomitórios, sangrias, estão entre alguns dos muitos tratamentos empregados desde a antiguidade. 

Não se sabia que as doenças infecciosas eram causadas por microorganismos. Mas isso começou a mudar dentro de uma perspectiva da longa duração. Observou-se que as doenças eram "passadas" de pessoa para pessoa, sobretudo, em casos de doenças epidêmicas. Surgiram as primeiras teorias contagionistas. Do contato direto, com objetos ou com o ar corrompido poderia se verificar a contaminação. A saúde era corrompida por algo que "entrava" no corpo e a doença era vista como um envenenamento. Era preciso retirar esse veneno do corpo. 

No caso da sífilis, o doente poderia ser submetido a elevadas temperaturas para "expulsar" o veneno sifilítico. O tratamento preconizava o aumento da temperatura por meios físicos. Como o espanhol da ilustração acima, atingido pela sífilis, ou "Mal de Nápoles", foi colocado no interior de um barril submetido a elevação da temperatura externa para que o veneno da sífilis "saísse" do seu corpo. 

Uma sustância reconhecidamente tóxica, quando em quantidades elevadas no corpo, foi utilizada no tratamento da sífilis. Qual substância? O mercúrio. Um metal conhecido desde a antiguidade, que apresenta-se sob forma líquida na temperatura ambiente. O mercúrio foi largamente utilizado na terapêutica da sífilis desde o século XV até meados da década de 1940. O conhecimento médico acreditava que seria sifilítica, toda doença que cedesse à ação do mercúrio. 

Em que consistia o tratamento? Os sifilíticos tinham seus corpos submetidos à intoxicação pelo mercúrio, para evacuar a sífilis por meio de intensa diarreia, vômitos, salivação e sudorese. A ingestão oral se dava por meio de sais de mercúrio, a partir do século XVI passou-se a empregar a fumigação. Ao final do século XIX, o mercúrio era aplicado através de injeções. Os doentes eram submetidos a longas aplicações do veneno para supostamente "expulsar" a sífilis. O mercúrio, quando muito, poderia ajudar a conter o avanço da infecção em suas lesões primárias. Era um veneno que "curava". 

Uma quinta-feira chuvosa de abril,
16-04-2020
Campina Grande-PB

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