O veneno que cura II

Paul Ehrlich e Sahachiro Hata, 1910. Museu Memorial Hata, Japão.
As descobertas processadas no campo da microbiologia, na segunda metade do século XIX inauguraram uma nova fase sobre o conhecimento das doenças infecciosas. Longa trajetória e de difícil aceitação. Ficava comprovada a existência de microrganismos causadores das moléstias. Essas observações implicaram a redefinição do próprio conceito das doenças. 

A sífilis, por exemplo, era entendida como uma irritação das mucosas genitais provocadas pelo excesso da atividade sexual. Era compreendida, portanto, não somente como uma doença de caráter venéreo, isto é, adquirida através das relações sexuais, como venereamente produzida, ou seja, um produto das relações sexuais. A lues venérea era compreendida, portanto, como uma enfermidade produzida pelo desregramento sexual. Doença das prostitutas e dos libertinos, dos sujeitos históricos que tinham relações sexuais consideradas promíscuas e fora da norma. Uma espécie de punição pelo pecado da carne. 

Um a um, os microrganismos causadores das doenças foram sendo descobertos. A crença no sangue corrompido dos sifilíticos, fez com que os microscópios dos microbiologistas se voltassem para esse fantástico fluído em busca da causa da sífilis. Em 1905, Paul Erich Hoffman e Fritz Richard Schaudinn descobriram e isolaram o microrganismo causador da sífilis. Uma bactéria de formado espiralado, delgados, de cor pálida, com flagelos que se movimentavam freneticamente. Era o Treponema Pallidum

A metáfora  do envenenamento foi substituída pela metáfora do parasitismo, da infestação. Não se tratava mais de expulsar o veneno sifilítico do corpo, mas de localizar o microrganismo em seu interior, neutralizá-lo e, se possível destruí-lo. Nascia a quimioterapia. Um médico alemão, Paul Ehrlich (1854-1915), desenvolveu a teoria da "bala mágica", para designar uma substância bioativa capaz de destruir os micróbios quando em aderência a eles, portanto, um composto químico bioativo capaz de destruir seletivamente um patógeno. Em 1909, a equipe médica do dr. Ehrlich observou a regressão da infecção sifilítica com um composto à base de arsênio. O composto de n. 606 foi imortalizado com o nome de salvarsan. Posteriormente, uma versão menos tóxica, o composto 914, foi desenvolvido, recebendo o nome de neosalvarsan. 

Estes foram os primeiros medicamentos específicos desenvolvidos contra a sífilis. A comunidade científica e médica internacional recebeu a notícia com profundo entusiasmo. Porém, problemas surgiriam. Conforme o tempo passou, se pôde observar que o medicamento não curava a doença, somente fazia regredir as lesões cutâneas decorrentes da enfermidade. Além disso, os riscos da medicação eram altíssimos. O arsênio é tóxico. O tratamento antissifilítico exigia extensas seções de aplicação de injeções arsenicais, que expunham os doentes a vários riscos. Longas aplicações poderiam determinar de maneira rápida, fadiga profunda, emagrecimento e anemia. Atacava as vísceras e o sistema nervoso. A esperança de cura para a humanidade sofredora pela sífilis, teria que esperar até a década de 1940 com a descoberta da penicilina. Era o alvorecer da era dos antibióticos. 

Campina Grande,
terça-feira
21-04-2020.









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