Quem tem medo da história?

Pierre Mignard, Clio, 1689. Óleo sobre tela, 143,5 x 115 cm. Museu de Belas Artes de Bucareste.

A História, classificou o escritor francês Paul Valéry, é o produto mais perigoso da química do cérebro humano. 

Por quê? Quem tem medo da História? 

No Monte Parnaso, a morada das musas, as filhas de Mnemósine e Zeus, que tem o dom de dar existência àquilo que cantam. Dentre as musas, uma delas se destaca. É Clio, a musa da História. Nas mãos porta o estilete da escrita e a trombeta da fama. É a filha mais dileta da Memória. Seu dom de narrar o passado e fazer lembrar, com a trombeta conferia um caráter notório àquilo que solenizava. A História, dentre todas as ciências, possuí o atributo de registrar o passado, tem a autoridade para falar sobre outros tempos. Mas sua função não é mais a de celebrizar homens e datas pretéritas. 

A História deve estar à serviço da vida. Guiada por um compromisso ético com os seres humanos que viveram em outra temporalidade, sob a pena de que os mortos jamais descansem em paz nas ruínas que se amontoam no tempo e se elevam ao céu, a História deve ser escrita a contrapelo. Trazer à tona as utopias abortadas, as vidas quebradas e os sonhos partidos violentamente daqueles que viveram antes de nós, porque o inimigo não tem cessado de vencer. 

Hoje, o inimigo venceu. Mais uma vez. O projeto de lei que dispõe sobre a regulamentação da profissão de historiador, aprovado pelo Senado (18/02/2020), assegura o exercício do ofício e regulamenta suas atribuições foi vetado de forma integral pelo Presidente Bolsonaro. O PL n. 369/2009 do Senado (n. 4.699/2012, na Câmara dos Deputados) trata-se de uma conquista árdua da categoria que almeja sua regulamentação e normatização desde pelo menos a década de 1960.

Perde a História e os historiadores, mas perde mais ainda o Brasil e os brasileiros. Infelizmente, tal ato não é nenhuma surpresa, vindo de alguém que é ignorante em matéria de tudo, mas principalmente em História. Ele é o antípoda de tudo aquilo o que afirma e representa o conhecimento, o saber, a ciência e a razão. Ele é a desrazão, a violência, a negação, a pulsão de morte, o cinismo e a dissimulação. Ele idolatra torturadores e ditadores, regimes fascistas. Exalta a ditadura e a tortura, defende, inclusive, o seu retorno. Bolsonaro é inimigo da História porque a nega.  

Mas a História provoca-lhe medo, pavor, pois a sua função é lembrar aquilo que uma sociedade quer esquecer. Quem teme o passado, teme a História. A História desterritorializa, desnaturaliza, ensina a destruir os ídolos e os "mitos", pois todos têm pés de barro. A História é irriquieta e faz pensar. Denúncia os abusos e as violências. É por isso que ele a nega. Mas Bolsonaro ignora uma lição inexorável da História. Todos os homens são mortais. Nada tem o poder de durar para a eternidade. O julgamento de Clio será implacável. Daqui a dez, vinte, trinta gerações, seu nome vai estar relegado aos inimigos da vida, ao autoritarismo, à violência e a ignorância. A História do futuro vai ensinar às crianças, os desmandos, as violências perpetradas, os danos infligidos, seu cinismo dissimulado e a mácula que representa o seu desgoverno. 

A última segunda-feira de abril
27-04-2020
Campina Grande-PB

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