Sífilis e virilidade

Christiaen van Couwenbergh, Três jovens brancos e uma mulher negra, 1632. Óleo sobre tela, 104 x 127 cm. Museu de Belas Artes, Estrasburgo.



Uma doença pode informar muito sobre uma sociedade, seus valores, práticas e comportamentos sociais. A história da sífilis é ao mesmo tempo uma denúncia contra o machismo, o patriarcado e o racismo. Cenas escusas e perversas marcaram a trajetória dessa doença e os sentidos sociais que lhe foram atribuídos no Brasil Colônia. 

Tida por Gilberto Freyre como a doença por excelência da casa-grande e da senzala, a qual o filho do senhor de engenho contraia "quase brincando", - eufemismo freyriano para ocultar as violências sexuais sofridas pelas mulheres escravizadas -, entre as negras e mulatas ao se desvirginar aos 12 ou 13 anos. A sífilis era considerada doença de homem-macho, cujas marcas produzidas pela T. pallidum no corpo (características da sífilis secundária) os rapazes exibiam com orgulho, pois aquele que não a trouxesse era ridicularizado por não conhecer mulher. Contrair sífilis possuía um sentido performático da sexualidade masculina, que denotava um sinal "virilidade". 

Eram os senhores das casas grandes que transmitiram a sífilis para as mulheres negras escravizadas. Em geral, se tratavam de mulheres jovens e virgens, com idade entre 12 ou 13 anos, que eram abusadas pelos homens brancos, já contaminados pela doença. Predominava a crença profundamente machista e racista, no Brasil colonial, de que para a sífilis não havia depurativo melhor para limpar o sangue do que uma "negrinha" virgem. 

O mal gálico, como era conhecida a doença, se alastrou desde os primórdios da colonização. O quadro endêmico da sífilis na colônia brasileira, testemunhou os abusos e violências sofridas pelas mulheres, principalmente indígenas e negras, a partir dos intercursos sexuais estabelecidos forçadamente, em um primeiro momento pelo colonizador português e depois pelo senhor da casa grande.


Um sábado a tarde,
Campina Grande-PB
04-04-2020.


Sugestões de leitura:

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. 48 ed. São Paulo: Global, 2003.

SCHNOOR, Eduardo. “Riscando o chão”: masculinidade e mundo rural entre a Colônia e o Império. In: PRIORE, Mary del. AMANTINO, Márcia (orgs.). História dos homens no Brasil.1 ed. São Paulo: Editora Unesp, 2013.



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