A doença do outro
Ticiano, Retrato de Girolamo Fracastoro, 1528. Óleo sobre tela, 84 x 73,5 cm. Galeria Nacional, Londres. |
As doenças, em
certo sentido, não existem até que alguém as nomeie. Longe de ser somente uma
manifestação patológica no corpo, a doença é uma imbrincada construção da
linguagem. Ao longo da história, as doenças receberam suas nomenclaturas
saturadas de significação. Quando uma doença desperta o medo, apavora, causa vergonha e gera culpa, ela é atribuída ao outro, o que vem de fora.
O
nome da sífilis, infecção sexualmente transmissível causada pela bactéria Treponema
Pallidum, foi fixado a partir de um poema do médico e poeta genovês
Girolamo Fracastoro intitulado Syphilis sive morbus gallicus. Em
tradução livre do latim, significa "Sífilis ou mal francês".
O
poema narra a história de um pastor chamado Siphilus que tanto amou o seu rei,
Alcithous, ao ponto de não somente dedicar-lhe culto divino, mas induzir tal
idolatria ao povo de sua terra. Esse ato atraíra contra o zagal a cólera
dos deuses, manifestada sob a forma de uma terrível e devastadora epidemia,
cuja primeira vítima fora o pegureiro.
A
sífilis, devido ao seu caráter venéreo fixado ainda no século XV, foi recoberta
dos mais diversos sentidos negativos como uma doença pudenta, libidinosa.
Recebeu os mais diversos nomes. A partir da Idade Média se generalizou uma
propensão para definir as moléstias pelas mais variadas formas, atribuindo a
algum vizinho, inimigo ou desafeto a introdução da doença.
Assim,
a sífilis recebeu algumas dezenas de nomes: mal gálico, mal francês, mal
napolitano, mal espanhol, mal judio, mal dos cristãos, mal levantino, mal
polônio e tantos outros. Por ser uma doença considerada pecaminosa, era
invariavelmente atribuída ao outro. Ninguém queria assumir a reputação de ser o
lar dessa terrível moléstia. A sífilis era um flagelo que ninguém confessava
portar.
Segunda-feira,
13-04-2020.
Campina
Grande-PB
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